05/05/2009

Interpole em meu coração.



Esta manhã, ao acordar, virei lentamente na cama e vi na mesa de cabeceira folhas que ao meu ver pareceram-me antigas. Resolvi por curiosidade acariciá-las com meus olhos secos por novos ares. A leitura começou amabilíssima, o que me fez ter cada vez mais vontade de destrinchar os papéis ali encontrados. Se tiveres a curiosidade que tenho de saber o que nele foi dito, eu lhe digo, isto se prometer fidelidade a cada virgula mal colocada.
Tal remetente desconhecido informava ao curioso leitor sobre as cacimbas perfeitamente criadas por Deus, nos montes verdejantes repletos de água límpida e cristalina, vinda das nascentes, correntes, cadenciadas em um só tom: O murmúrio de liberdade. Achei estranho, águas implorarem por liberdade, mas as palavras complicadas me deixaram agraciada e então a curiosidade cada vez era mais forte.
Fiz uma pausa na leitura para tomar um café, e quando voltei aos meus papéis percebi neles uma linha manchada com borra escura e cheiro agradável, não me enganaria este cheiro, era de meu fascínio, incrível coincidência, o autor se agradava por um bom café, como eu. Infelizmente a borra marcava um início sofrido na minha leitura, pois os sentimentos do tal “autor desconhecido” oscilaram do verdejante ao martírio. Lágrimas, dor, incompreensão, abandono, entre tantos outros sofrimentos.
Quando dei-me conta de que as páginas eram repletas de dor, a curiosidade me escapou e só assim pude então perceber de quantas folhas e mais folhas eu estava me comprometendo a ler. Juro, não exagero ao dizer que as folhas passavam da dezena e a letra era incrivelmente pequena. Mas não quis que minha leitura pelo meio tivesse fim, hei então de encarar a leitura como um singelo folhetim. Poucas são frases que não me tormenta, mas ainda assim existem aquelas que marcam profundamente. Dizia o remetente: “Diga, meu bom amado... O que queres que eu faça pra tê-lo verdadeiramente? Se quiserdes que eu vá alem de mim, lhe digo que sim. Farei de tudo para as tuas outras não ter de procurar”.
Emociona-me saber que a mulher se sujeita a tentar ser perfeita para seu homem agradar. Digo-lhe caro leitor, que me sinto em tua pele, e entender escritos não é tão fácil quanto desvendar mitos. Muito mais difícil é, quando parecem falar sobre a tua própria vida. E se há algo que me pergunto a cada segundo é se sou boa o suficiente neste mundo, para que meu marido apenas me queira.
Ao colocar-me em situação parecida descubro o que tal remetente quis dizer com as cacimbas e as belas nascentes. Pensando que estava preste a ler uma história linda, naufraguei em uma dor tão minha quanto destas folhas. Eram bem mais que fatos, era uma expectativa de vida, de cicatrização. E saibas, que mesmo triste, o sangue ainda lhe percorre nas veias e seu corpo funciona a mantendo viva, prisioneira de infinita tortura. Pior que a dor da incerteza estava na certeza de que o ombro de seu eterno amado, com meretrizes era compartilhado. Como conviver com esta dor?
Desenrolando-se a leitura a coincidência aumentara a cada estrofe, parecendo que ao invés de um papel estivesse na minha frente um espelho. De repente, meus olhos trancaram-se (por medo talvez), para que nenhuma lágrima por meu rosto rolasse. Digo a ti que está sendo-me fiel, não agüentei de tão amargo fel, quando senti em minha pele a dor do tal remetente ao escrever: “Aqui, despeço-me com toda loucura e lhe digo que o sofrimento, hoje, é meu único e melhor amigo. Pois foi este, o que a solidão me deixou acompanhar. Ah, o que faço contigo amor descomprometido? Se atrás de grades já até lhe pus, preso em meu coração. Ressalto, que se lhe devo desculpas... Imploro então, pelo teu perdão. Interpole em minha alma o teu coração”.
Com os olhos completamente embaçados e lacrimados dificultou minha visão e não pude de primeira enxergar o que a curiosidade mais me fez almejar a chegada do fim. Isso mesmo que você está pensando, aquela rubrica, a assinatura no fim da última página, criador de tanto amargor. Abri e fechei os olhos milhares de vezes, e quando pude ver... A surpresa em lente de aumento surgiu em minha mente. Lágrimas em um salto secaram, meu corpo estagnou sem rumo, sem direção. Meus olhos fitaram aquelas letras com tanta incredulidade e medo como nunca havia feito em minha vida. Se eu lhe digo não acreditas, é preciso que vejas. Era meu nome que estava escrito ali. (...)

Iasmin Flôr.

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